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CORPO-AMBIENTE

Em micro, sou macrocosmo. Para existir sou ambiente, preciso de luz, oxigênio, comida, água e todas as energias-matérias que me atravessam. Sou humana, mas também sou bactéria. Dentro de mim vivem outras vidas que coabitam em mim, me compõem e me fazem ser como penso que sou. No meu código genético, carrego os mesmos alfabetos de base de todos os seres vivos da Terra (BOFF, 2012). Sou humana, mas também sou água. A mesma água que circula em meu corpo veio de tempos e espaços desconhecidos por mim e continuará a se transfigurar na Terra. Sou Terra, mas também universo. Os mesmos elementos que compõem a Terra, a Via Láctea, o universo, compõem meu corpo humano (BOFF, 2012).

Mas afinal, o que é o ambiente? Apoio-me no princípio que o ambiente não se resume ao “mundo de fora, o entorno do ser e do ente, ou o que permanece fora de um sistema” (LEFF, 2009, p. 21). Para mim, o ambiente guarda uma sabedoria ancestral e cosmológica. Mergulhado em identidades desterritorializadas, o ambiente incorpora o grito de uma realidade negada (LEFF, 2009).

ECOSSOMÁTICA

Por se basear no soma e agrupar “técnicas nas quais se enfatiza o processo interno em relação a três fatores que agem em um todo sinérgico: consciência, biologia e meio ambiente” (FERNANDES, 2018, p. 177), a Educação Somática é, por eminência, ecológica. Ecologia ou "Ökologie" deriva da combinação das palavras gregas: oikos, que se aproxima de casa, e logos, que significa estudo (ODUM, 2001). Como um estudo da casa de alguém, a ecologia investiga as relações dos seres vivos e seu meio ambiente. Inspirada por Lygia Clark, baseio-me em meus estudos e criações a concepção de que “a casa é o corpo”.  Em um processo de investigação em casa, nosso corpo-casa é o meio pelo qual experienciamos o viver e o ambiente onde vivemos, ou melhor, as outras casas que coabitamos.

Apesar da relação intrínseca entre soma e eco, diferentes autores denominam como ecosomática a categoria da somática cujo enfoque de pesquisa e criação está na relação do corpo com o ambiente. Por esse campo de investigação, ao “estarmos em casa com nosso corpo” (ENGHAUSER, p. 81, 2007), ou seja, através do suporte desta primeira casa, podemos investigar estados-alteridades em outras casas-corpos-ambientes. Ao mergulharmos num conhecimento interno-externo-sinérgico com o meio, proposto pela Ecossomática, nosso corpo-casa testemunha e presentifica seu eixo no encontro com casa-ambiente, ampliando suas possibilidades perceptivas, (co)moventes e criativas. Enquanto a somática tem como base o desenvolvimento da percepção cinestésica e sensorial do corpo, a Ecossomática abrange o ambiente e a relação interno-externa, neste percurso, aprofundando nossa interconexão com a natureza e a comunidade ao nosso redor (BAUER, 2008). 

Em uma investigação-criação Ecossomática, o corpo dilui suas margens, desintegrando uma imagem de fronteira com o ambiente e assumindo um estado de membrana porosa e relacional com o meio (ABRAM apud. ENGHAUSER, 2007). Esta qualidade de membrana porosa pode ser associada à nossa membrana celular dupla e semipermeável, que tem a função de envolver e proteger o meio celular, selecionando o que entra ou sai da célula, assim como a de gerar “comunicação entre meio interno-externo” (CAETANO, 2012, p. 342).

A Ecossomática visa deixar-se guiar pela materialidade do fluxo corpo-ambiente como modo de compor em dança. A ecossomática entrelaça os campos da Educação Somática e Ecologia, os quais compreendem corpo e ambiente em estados de relação e transformação. As práticas de movimento e criação ecossomáticas propõem investigar a percepção cinestésica e sensorial do corpo, na relação interno-externa com o ambiente, o que aprofunda nossa interconexão com a natureza e a comunidade ao nosso redor (BAUER, 2008). Em sintonia somática com o meio, ou seja, mobilizado por uma relação porosa com o lugar e o ambiente, o dançarino se movimenta e descobre sensações e memórias conectadas ao ambiente.

REFERÊNCIAS

BAUER, S. Body and Earth.as One: Strengthening our connection to the natural source whit ecosomatics. Conscius Dancer: Movement for a better world. Berkeley, primavera, 2008. Disponível em: https://susanbauer.com/wp-content/uploads/2010/07/Ecosomatics-CONSCIOUS-DANCER-8-9.pdf. Acesso em: 23 jun. 2018.

BOFF, L. Entrevista. As Quatro Ecologias. Direção: Adriana Miranda. Rio de Janeiro: Animus Anima, 2012. DVD (37 min). Produção: Animus Anima Produções. Distribuição: Editora Mar de Ideias: navegação cultural.

CAETANO, P. L.. Os Princípios-Procedimentos para a Experimentação Somática do Corpo sem Órgãos. Repertório Teatro & Dança, v. 18, p. 58-70, 2012b.CAETANO, Patrícia. Os Princípios-Procedimentos para a Experimentação Somática do Corpo sem Órgãos. Repertório Teatro & Dança, v. 18, p. 58-70, 2012.

FERNANDES, C. Dança Cristal: da Arte do Movimento à Abordagem Somático-Performativa. Salvador: EDUFBA, 2018.

ENGHAUSER, R. The Quest for an Ecosomatic Approach to Dance Pedagogy. Journal of Dance Education, University of Nebraska, Lincoln, v. 7, n. 3, 2007a. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1080/15290824.2007.10387342. Acesso em: 06 abr. 2018.

LEFF, E. Complexidade, Racionalidade Ambiental e Diálogo de Saberes. Educação e Relidade, Porto Alegre, v.34, n3, set/dez 2009. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/9515/6720. Acesso em: 15 set. 2018.

SOPRO DÁGUA: A ECOSSOMÁTICA COMO PERSPECTIVA PARA UMA CRIAÇÃO-PESQUISA EM FLUXO

O presente estudo aborda a possibilidade de pesquisar e criar em dança, considerando os direcionamentos advindos dos fluxos emergidos da conexão corpo e ambiente. Tendo como base epistemológica o campo da Educação Somática, especificamente a Ecossomática, este estudo teve como objeto de investigação o processo de criação de Sopro d'Água. Impulsionado pelo fluxo na criação, propõe-se um corpo permeável e mobilizado pelos afetos, em estado de transitoriedade e transmutação constante, guiado pelos impulsos internos e externos. A fim de aprofundar a materialidade corpo-ambiente como impulso criativo, percorremos os caminhos da dança guiada pela percepção do corpo em conexão com o ambiente e na perspectiva integralista do soma, entrelaçando os campos da Educação Somática e Ecologia, os quais compreendem corpo e ambiente em estados de relação e transformação. Incitado pela transformação constante da água-ambiente e os fluidos corporais, o presente estudo compreende o fluxo como eixo de criação e pesquisa e o movimento como possibilidade de fluir e de se transformar interno-externamente.

Acessar o artigo na íntegra: https://proceedings.science/anda/anda-2019/papers/sopro-dagua--a-ecossomatica-como-perspectiva-para-uma-criacao-pesquisa-em-fluxo

Conteúdo criado por Gabriela Holanda. Fotos: Thais Lima e Aline Van der Linden. Direitos reservados às artistas.

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