GABRIELA HOLANDA.

FLUXO
O fluido é fluxo. A água corre, (trans)forma, passa, (trans)passa, flui. Passagem. Correnteza. O fluxo é o (trans)passar, a mudança, a (trans)figuração. Corpo-ambiente é o fluxo interno-externo. Em estado de fluxo sou osmótica, diluída, em passagem, em mudança, no entremeio, nem dentro nem fora. Fluir é deixar-se guiar pelos impulsos interno-externos, mergulhando num percurso pelo qual emergem sensações que conduzem e inspiram o corpo em movimento. A sensação nasce a partir da nossa relação com o mundo e escorre para além da percepção e sentimento, causando um estranhamento e a necessidade de decifrá-la em signo, mas, como não pode ser explicada ou interpretada, o artista cria no fazer artístico um sentido que a traduza (ROLNIK, 2002 apud. CAETANO, 2012a).
Neste processo de criação-pesquisa, o corpo, concebido como copor-ambiente em fluxo, com seus afetos e impulsos, direcionou a composição, indicando caminhos e escolhas a serem seguidos. Os estados corporais emergidos ao longo do processo, seja através da corporalização dos fluidos ou em Imersões Corpo Ambiente, foram guias compositivos. Ao longo do processo de criação, encontrar um estado de fluxo ao dançar tornou-se a principal maneira de rasgar a carne, fluir entre águas interno-externas e compor.
Ao dançar em fluxo de estados corporais sou invadida por emoções-sensações (in)visíveis que se (trans)figuram continuamente em nossas células e modificam meus estados corporais, estes que, por sua vez, transmutam meus movimentos por diferentes emoções-sensações (in)visíveis, qualidades expressivas e sentidos. e movimento. Ao entrelaçar emoções-sensações (in)visíveis, estados corporais, movimentos, expressividade e ambiente, a dança de fluxo dos estados corporais aprofunda a conexão interno-externo.
O fluxo expande as dimensões corporais, dilata os poros do corpo-mente-ambiente e dilui as fronteiras entre interno e externo. A escuta somática ampliada e a percepção interno-externa em expansão materializam um corpo disponível para a relação. Este corpo dilatado e em estado conectivo vivencia a atenção plena a si, ao meio e às sensações que emergem do entremeio. Micro e macro se conectam e podem ser aprofundados, ao mergulhar no fluxo. O estado de presença não pode ser concebido como uma forma fechada em si, impactante e condensada, mas como um estado conectado com a capacidade do artista de criar sistemas relacionais, fluidos e abertos, gerando e habitando os entre-lugares de presença. “Um corpo é sempre uma multidão de relações e, como tal, está permanentemente deflagrando relações. Corpo em relação com corpo forma corpo. O entre-lugar da presença é no nosso corpo o que não está em nós” (FABIÃO, 2010, p.322). Neste processo, o performer baixa o tônus corporal, diminuindo o controle da ação, afastando-se da necessidade da forma, do mostrar ou do fazer a fim de abrir espaço para o sentir em movimento, para o invisível, para as pulsões e os fluxos de energia que o atravessam (MINOZZI, 2015).
REFERÊNCIA
FABIÃO, E. Corpo Cênico, Estado Cênico. Revista Contrapontos – Eletrônica, Universidade do Vale do Itajaí, vol. 10, n. 3, p. 321-326, set- dez 2010. Disponível em: <http://www6.univali.br/seer/index.php/rc/article/view/2256/1721>. Acesso em: 10 dez. 2017.
CAETANO, P. L. O Corpo Intenso nas Artes Cênicas: Procedimentos para o corpo sem órgãos a partir dos Bartenieff Fundamentals e do Body Mind Centering. 2012a. Tese (Doutorado em Artes Cênicas) – Programa de Pós-graduação Artes Cênicas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012a.
MINOZZI, C. N. Estados corporais: catalisadores de experiência na criação em dança. Dissertação (Mestrado em Artes da Cena) - Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena do Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2015.